Leitura Dinâmica, ou a negação do ato de ler
Introdução
Tenho me deparado nas redes sociais cada vez mais com postagens patrocinadas sobre a técnica da leitura dinâmica. Fiquei curioso por qual dinamismo essa leitura estava a propor. Entre os locais que acabei acessando, eles apresentavam técnicas e problemas muitos parecidos. O grande problema é que somos leitores lentos, e para isso existiam dados:
“Através de diagnósticos de leitura realizados com adultos, com idade entre 18 e 49 anos no Brasil, apresentou uma média de 170 palavras por minuto de velocidade com 30% de compreensão, o que mostra uma realidade de leitura extremamente fraca e ineficiente, se comparados com países vizinhos como, Argentina, Colômbia e Chile. Para fins comparativos, os níveis de leitura na América do Norte e Europa estão na casa das 300 palavras por minuto de velocidade com 60% de compreensão. Na Ásia, nos países como Japão, Coreia do Sul e Cingapura, a habilidade de leitura fica em 600 palavras por minuto com 80% de compreensão. ” (Extraído do site Vencer Leitura)
Numa medição geral, a rapidez de uma leitura é contabilizada pelas palavras por minuto que conseguimos ler. Nos parece que esses grupos estão querendo ajudar os leitores que possuem uma espécie de déficit, ou seja, por conta de diversos motivos não foram incentivados à leitura, ou esta nunca os apeteceu de fato. Mas vejam que é um problema não só de velocidade, mas também de compreensão.
Imaginamos que a questão seria chegar ao nível supostamente normal de leitura, visto que o problema é que a velocidade e a compreensão estão abaixo da média. Mas veja para onde a proposta deles vai logo após anunciar um diagnóstico:
“Através do nosso treinamento de leitura, o aluno desenvolve uma capacidade de ler no mínimo 1000 palavras por minuto de velocidade com 100% de compreensão. ” (Extraído do site Vencer Leitura)
Mas por que ler tão rápido? Compreender melhor é ótimo, mas qual a necessidade da velocidade? Me parece que Renato Alvez, que é alguém que se implica bastante nesse projeto da leitura dinâmica, tem a resposta:
“A vida é curta, leia rápido! ”
No caso de seus cursos e a sua proposta, ele associa um caminho direto entre a leitura veloz e a alta capacidade de memória com a prosperidade, como coloca algumas vezes no seu site.
“Quem lê, pensa. Quem pensa, enriquece. Quem enriquece, lê. Líderes das maiores empresas do mundo leem 5 livros por mês e creditam grande parte do seu sucesso à leitura. ” (Extraído do site Renato Alvez).
A meta do professor de leitura dinâmica é que você consiga ler 50 livros por ano, mesmo sem ser amante da leitura.
É certo que o público alvo para esses tipos de curso são os concurseiros, as pessoas que precisam ler uma série de informações técnicas e logo aplicá-las em provas. Assim como pessoas que talvez realmente leiam muito devagar e isso tenha gerado muitos entraves em seus desejos pela leitura. Mas observando o panorama geral, esse método sempre se espalha e respinga em todos os cantos, gerando uma crença de construção de saber e de criticidade pelo acúmulo de livros, informações e dados.
Não pretendo questionar a capacidade dessas duas empresas em oferecer o serviço que propõem. Não é algo do meu interesse. Mas colocar as questões mais simples que nos aparecem com esses discursos. A primeira questão é a singularidade da leitura dinâmica como método, em quê suas técnicas realmente se diferenciam do skimming, por exemplo. É possível de fato aumentar a velocidade e a compreensão a tal ponto?
O Speed Reading, como é chamado nos Estados Unidos, virou febre no fim dos anos 50, com Evelyn Wood. Ela que advogava por essa especificidade e essa diferença. Afinal, o Skimming nada mais é que o famoso “passar o olho”, onde agrupamos palavras chaves das páginas para uma pesquisa rápida, ela diz que sua técnica é uma leitura, uma forma de se ler mais rápido.
A partir disso já é possível pensar na segunda questão, que tipo de livro deve ser lido assim? Todo livro ou apenas livros técnicos? Ao que me parece os livros favoritos para serem lidos assim sempre são os livros de autoajuda, com suas palavras de ordem e escrita vazia.
Existe uma conexão subterrânea entre essa literatura de não-ficção best-seller com os métodos de leitura dinâmica. Alguém imagina-se lendo em alta velocidade uma poesia de Ferreira Gullar? Com certeza não. Mas e um livro de Flaubert? Ou ainda os livros de Guimarães Rosa? Livros longos, cheios de descrição, cheios de desvios narrativos, por que não acelerar um pouco?
Se o prazer não é necessário para se ler, qual motivo se tem para ler tanto? De certo modo o que parece implicado é a necessidade de se tornar um capital humano. A necessidade de acumular esse saber, que não pode ser um saber do prazer, mas simplesmente um saber a ser aplicado em toda a sua vida, aplicação irrefreável.
Para discutir essa necessidade do acúmulo Byung-Chul Han fala do Quantified Self:
“O lema do quantified self é: Self knowledge trough numbers (autoconhecimento através dos números). Por mais abrangentes que eles sejam, os dados e números não produzem autoconhecimento. Os números não contam nada sobre o eu. Não há narrativa. Mas o eu se deve a uma narrativa. Não a contagem, mas a narrativa é que conduz ao encontro de si e ao autoconhecimento. ” (p. 82, 2018)
Esse mundo o filósofo coreano chama de dataísmo. Uma espécie de niilismo digital, em que a possibilidade de mensurar e ver pela transparência todas as práticas que realizamos nos faz acreditar na crença do capitalismo que maior produtividade e o maior lucro são os guias base do mundo. Mas como todo niilismo falta-lhe direção, sentido propriamente.
Com esse texto, portanto, buscarei discutir um pouco os dilemas e polêmicas que surgem destas três questões. Na primeira parte, vou apresentar os métodos atuais mais citados e os problemas que eles nos colocam, na segunda parte as implicações filosóficas desta proposta.
1. Método e Treinamento
O que significa ler? Para a psicologia ler é o processamento textual para o entendimento de cada palavra, frase e sentença. Uma definição um pouco simplória, afinal a literatura se propõe a um pouco mais que isso, do mesmo modo que muitas vezes lemos para aprender algo. Então, ler é mais do que entender cada palavra do texto; é, também, fazer inferências a partir das relações entre as palavras.
“ (…) é preciso ter em mente que ler é baseado na linguagem; não é um processo puramente visual. A fala é a forma primária da linguagem, e todas as sociedades humanas têm uma língua falada. ” (p. 5, 2016).
Portanto, com essas pequenas informações sobre o que é ler podemos discutir um pouco as técnicas mais divulgadas atualmente. Não estou dizendo que essas técnicas são empregadas nos cursos citados na introdução, mas sim que são as técnicas mais difundidas pela internet da leitura dinâmica.
Seguiremos aqui, portanto, os apontamentos do artigo So Much to Read, So Little Time: How Do We Read, and Can Speed Reading Help? (2016) publicado por um grupo de psicólogos americanos.
a) Aumento do alcance visual
Os cursos acreditam que não usamos toda a capacidade do nosso campo visual na leitura e com treinamento é possível fazer tal coisa. Recomendam o uso da visão periférica para ler sentenças inteiras e evitam o máximo o movimento regressivo de leitura.
Mas de fato é possível ler uma página de uma só vez? Será que conseguimos realmente ler sem ao menos fixar nossos olhos em algumas palavras? Bem, o nosso campo de visão para a leitura funciona deste modo, como mostra a imagem abaixo:
A acuidade é muito maior no centro, o local de fixação, ou seja, na fóvea. Ao redor desta região temos a parafóvea e a visão periférica. Estas são regiões que captam sim informações, mas sozinhas são inúteis.
As sacadas são quando movimentamos os olhos, elas permitem que o leitor mova a fóvea para a palavra que desejam processar com eficiência. Essa acuidade é uma limitação do olho, ela não pode ser ampliada. As outras duas regiões do campo perceptual da visão têm uma acuidade cada vez menor.
A leitura dinâmica acredita que as sacadas atrapalham a leitura. Visto que durante as mesmas não há informação visual pertinente. O que consideram uma perda de tempo, mas nas sacadas o processamento cognitivo continua a agir, há trabalho sendo realizado.
A sacada não precisa parar em toda palavra, visto que palavras que se repetem muito, ou ainda artigos, pronomes e outros, muitas vezes são pulados. Todavia, não é porque houve um salto que a palavra não foi processada, visto que ela foi captada no parafóvea. Por isso, se esses termos saltados forem completamente omitidos, ou seja, se evitar conscientemente essas palavras, o texto perde sua compreensão.
Nem toda sacada vai para a próxima palavra, muitas vezes é a uma tentativa de fixar melhor a mesma palavra. As regressões entram aqui também como algo importante para compreensão. Abaixo, um exemplo de como a leitura é feita, um processo que ocorre em segundos.
Percebam que o salto (skip) aparece no the, percebam a regressão e a refixação, são todos movimentos comuns e necessários para uma leitura com boa compreensão. Sim, a regressão e a refixação diminuem a velocidade da leitura, mas a melhor maneira de evitá-las, para além da atenção, está no conhecimento do vocabulário. Estudos apontam que a maior parte das regressões acontecem quando não se compreende o sentido de uma palavra ou frase.
Essa ideia, a de que um vocabulário maior melhora nossa velocidade de leitura, implica em dizer que não é treinando os olhos que lemos mais rápido e com maior compreensão, mas sim continuamente lendo textos diferentes, pois nos habituamos a várias formas de escrita.
O sistema de reconhecimento de palavras, portanto, é mais importante que a educação motora dos olhos. Primeiro, há um limite do tamanho das palavras que cabem no fóvea, no inglês são 7 letras, mas isso varia de acordo com língua, e em grande parte o alcance perceptual se dá não numa única palavra, mas entre duas palavras.
Em segundo, a força dessa sistema de reconhecimento de palavras — ou seja, o fator linguístico e não puramente visual da leitura — se expressa facilmente num pequeno experimento com nomes e cores. Em cada coluna deve se dizer a cor das palavras, tendemos a dizer a palavra ao invés da cor.
Existe uma dificuldade de lermos de forma puramente visual. É isso que o experimento demonstra. Portanto, a ideia de que podemos ampliar nosso campo de visão a partir do treinamento ocular é muito problemática.
b) Supressão da subvocalização
A subvocalização é o ato de ler mentalmente, de falar mentalmente as palavras que se lê. Eles assumem que esta prática é uma mania que ficou no ato de aprender a ler, com a leitura em voz alta. Não é muito preciso o que isso quer dizer, mas surge sempre a ideia de que a leitura pode ser um processo puramente visual e separado da fala.
Retirar a subvocalização tende a prejudicar a leitura, visto que o sistema de escrita e leitura é baseado na fala. A relação da compreensão com o fonológico é alta.
Em um experimento citado no artigo, os leitores deveriam apertar um botão se a palavra que leram fazia parte de determinada categoria. Grande parte dos leitores colocaram a palavra meet (encontrar) na categoria de alimentos, afinal ela é homofônica com a palavra meat (carne). 19% dos erros foram homofônicos, e apenas 3% dos erros foram não homofônicos. Esta é uma demonstração expressiva da palavra e sua relação determinada com a fala.
Mas como testar de fato a leitura sem subvocalização? Existiram algumas tentativas. Existe a monitorização por biofeedback, que capta os pequenos movimentos nas cordas vocais que ocorrem enquanto subvocalizamos. No teste realizado o leitor era treinado a evitar o máximo que pode produzir tais movimentos. Com textos considerados fáceis não houve perda da compreensão, mas em textos um pouco mais difíceis não foi possível mantê-la.
Já uma segunda forma de tentar testar essa ideia é pedir para que os leitores repitam uma palavra ou contem para evitar necessitar subvocalizar o texto. Aqueles que repetiram uma palavra específica tiverem resultados péssimos.
De certo, o que esses experimentos demonstram é que uma leitura com o nível de complexidade maior, assim como uma experiência de maior valor com o texto só pode ser produzida com a subvocalização. Ela não pode ser considerada apenas um resquício do aprendizado silábico, mas principalmente uma forma de organizar aquilo que foi lido e compreendê-lo.
c) Aparelho de leitura rápida
O uso de aparelhos como o RVSP (rapid-serial-visual-presentation) têm se tornado cada vez mais populares. Basicamente, eles expõem uma palavra por vez, numa velocidade um pouco maior que o usual e impede toda regressão. Consegue obter até bons resultados na compreensão, mas apresentam problemas.
Por aparecer uma palavra por vez certos homógrafos perdem o sentido sem o contexto. Palavras como “corte” que podem ser tanto a ação de cortar, como também a corte de um palácio, tornam-se empecilhos.
Como foi dito acerca da visão, apesar da acuidade menor do parafóvea, eles ainda acumulam informação que pode ser justamente processada para a compressão de homógrafos. Do mesmo modo, como vimos, na visão usual não se lê uma palavra por vez, mas sim o entre palavras.
O que ocorre, portanto, é que o leitor acumula informações fragmentadas. De certo, é fácil lembrar de frases e sentenças que ficam armazenadas na memória de curto prazo, mas para a produção de uma compreensão global do texto, onde é preciso da memória de longo prazo acaba sendo um pouco mais difícil.
d) Um adendo sobre a avaliação da compreensão
Os cursos de leitura dinâmica oferecem a ideia de leitura rápida e compreensível. É fácil medir a velocidade da leitura, mas como medir a compreensão?
Em grande parte são usados testes de memórias para frases e sentenças, que como vimos, exercitam a memória de curto prazo. A compreensão testada aqui é do fragmento e da memorização. Pouco dizem do sentido global, da criticidade e das possibilidades de um texto.
Questões abertas são melhores para avaliar a compreensão, mas também têm seus problemas, afinal a avaliação acaba sendo mais subjetiva.
2. “Enciclopédia de Tolices”
E o leitor de literatura? Sabemos que os métodos de leitura dinâmica parecerem se destinar a textos em que é possível retirar uma espécie de conhecimento prático, implicando uma espécie de pragmatismo ingênuo . Se nos parece óbvio que esse método não faz jus a complexidade da literatura, contudo para muitos dos leitores dinâmicos ele é muito útil para a literatura, pois afinal, basta ler um resumo para saber tudo que acontece na história.
a) Os Manuais da Velocidade
Como é que se lê literatura buscando um manual de instruções? É certo, como já exposto, que a literatura da qual se destina esse tipo de leitura são os livros de autoajuda e os manuais do espírito capitalista. A literatura aparece como engodo necessário do capital humano. Todavia, ela gera incômodo, como diz Alberto Manguel, diretor atual da Biblioteca Nacional da Argentina, em seu livro A Cidade das Palavras (2007)
“(…) ler não é possuir um texto (como já sabiam os antigos bibliotecários de Alexandria), saber não é acumular conhecimento. À medida que nossa capacidade de armazenar se amplia, mais premente é a necessidade de desenvolver modos mais penetrantes e profundos de ler histórias cifradas. Para tanto, temos de deixar de lado as tão louvadas virtudes do rápido e do fácil e reaver nossa percepção positiva de qualidade quase perdidas: reflexão profunda, avanço lento, tarefas difíceis. ” (pp. 68–69)
É digno de nota o diagnóstico que o escritor faz da literatura best-seller, em que se criam livros com prazo de validade, os livros fast-food, em que nos é negada a possibilidade da ambiguidade na leitura, é o polimento e o confortável, o transparente, adjetivos que já encontramos em Byung-Chul Han.
Este processo é nomeado de reificação. Conceito que Manguel puxa de Axel Honneth, que por sua vez retira de Lukács , em que há uma captura do mundo pelo generalizável e unidimensional próprios da retórica da publicidade.
“(…) é uma linguagem em que simplicidade corresponde à verdade. Em vez de histórias, ela conta resumos de histórias, encolhidas a tal ponto que sua moral sirva sempre à satisfação dos desejos mais egoístas. ” (p. 122)
Em relação a este mesmo problema, Ítalo Calvino, em sua conferência de 1984 sobre o próximo milênio, discutia quais seriam os valores da literatura do nosso tempo. Ele elencou adjetivos que de certo marcam nosso época, “leveza”, “rapidez”, “exatidão”, entre outros. Todavia, é preciso notar que As Seis Propostas para o Milênio (1988/1994) reconhecem o poder desses valores, mas nunca da forma com que compreende-se hoje.
“O século da motorização impôs a velocidade como um valor mensurável, cujos recordes balizam a história do progresso da máquina e do homem. Mas a velocidade mental não pode ser medida e não permite comparações ou disputas, nem pode dispor os resultados obtidos numa perspectiva histórica. A velocidade mental vale por si mesma, pelo prazer que proporciona àqueles que são sensíveis a esse prazer, e não pela utilidade prática que se possa extrair dela. ” (p. 58).
É notório o quão em desacordo sua proposta de rapidez prazerosa está da literatura preferencial da leitura dinâmica. Afinal, ele joga fora a velocidade mensurável das palavras por minuto, assim como a própria utilidade.
Portanto, podemos dizer que os textos literários, que Manguel e Calvino evocam, em toda ambiguidade se negam a esse processamento, se recusam a ser transparentes, assim como seus leitores pela história recusaram os caminhos pré-determinados. Essa escrita transparente em que cada palavra só tem um sentido, e os caminhos da narrativa pré-determinados são o mote central dessa perspectiva da leitura dinâmica.
b) A Transparência e o Individualismo
Parece-me que eles têm como axioma máximo que a linguagem é transparente. Alberto Manguel em relação a esse pressuposto diz
“A linguagem, precisamente por sua ambiguidade errática, tenta convencer os usuários de sua própria precisão e peso, declarando-se seu caráter absoluto, seu caráter de sistema capaz de congelar o mundo num modo fixo de ser. ” (p. 26)
É fácil associar esse axioma da leitura dinâmica a um individualismo. A impossibilidade de uma linguagem completamente transparente existe precisamente porque o outro existe. Afinal, quantos disseram, quantos enunciaram cada uma dessas palavras antes, o quanto elas se deslocaram para lá e para cá, o quanto o contexto e o texto em que a palavra se insere muda o que digo e o que quero dizer.
Isto acontece exatamente pela presença do outro. Então o axioma da literatura é de que há outro, afinal, não se fala no vácuo, mas sempre para alguém. Umberto Eco, por exemplo, fala de um leitor-modelo. Em sua conferência, Seis Passeios pelos Bosques da Ficção (1994), ele discute precisamente sobre a experiência do ler e do reler, com um bom amante da literatura ele acredita que reler é viajar e se perder mais algumas vezes nesses bosques.
Este leitor-modelo seria aquele leitor que poderia entender os caminhos possíveis deste bosque, suas bifurcações, suas facetas, suas ambiguidades. É em direção a esse leitor ideal que todo leitor deveria se colocar na experiência da leitura. Isso é uma questão tanto de tempo quanto de linguagem, afinal a linguagem, por sua ambiguidade inerente, amplia o tempo que precisamos para nos debruçarmos sobre ela, um tempo circunavegacional.
O neologismo de Eco é para enfatizar o caráter complexo da postura diante do texto, em que devemos circundar um livro, ao mesmo tempo navegar pelas suas entranhas, isto leva tempo.
Em síntese, o que a leitura dinâmica nos propõe é a reficação do livro, o produto bem-acabado e assimilável, não fede, nem cheira, é consumido. Suas palavras não são nem falantes, nem mudas, elas apenas representam coisas, coisas a se realizar numa ordenação precisa do ritual da troca comercial e da capitalização de si mesmo.
Jacques Rancière, em seu artigo As Metamorfoses de uma Fábula (1995), discute sobre como a literatura contém uma certa impropriedade, um incômodo que aparece desde o gesto da expulsão que Platão exige dos artistas. São diversas as histórias daqueles que se enlouqueceram por conta dessas palavras sem referência, desses caminhos para longe do senso comum, de Dom Quixote à Madame Bovary, existem diversas histórias como essas.
O filósofo propõe discutir uma divertida inversão que ocorre quando Flaubert trabalha Bouvard e Pécuchet. Esses dois personagens são copistas, eles não leem os livros de cavalaria, muito menos os romances estridentes, mas sim os manuais e as enciclopédias.
Como Rancière descreve
“São livros eruditos e práticos, como os apreciados pelos espíritos positivos de seu século: livros que dizem para acabar com os livros, que proporcionam ‘conhecimentos úteis’ e ensinam os foreiros desocupados a fazer frutificar a terra de acordo com métodos racionais em vez de perseguir quimeras de outras épocas. ” (p. 103).
É uma descrição muito próximo do desejo dessa literatura que o método da leitura dinâmica impõe.
Conclusão
A definição da leitura dinâmica é precisamente a de não leitura. A leitura daqueles que não querem ler. A discussão sobre seus métodos demonstram a pouca diferença dela para o skimming. De fato, como já citado, existe uma utilidade no skimming, ela é preciosa durante pesquisas, assim como nos ajuda a escolher qual livro gostaríamos de ler, mas é um mero folhear de páginas. A questão é que o skimming sabe que não é leitura.
Leitura dinâmica e a literatura que se serve dessa concepção de mundo são a reificação da literatura, assim como a “enciclopédia de tolices”. Eles se vendem como uma leitura e aplicam técnicas que não ampliam a compreensão, e nem mesmo possibilitam seu sustento na velocidade. Mas não pretendo entrar aqui no discurso da “propaganda enganosa”, pois a meu ver seu problema mais grave está nas concepções de leitura que propaga.
A transparência da linguagem, a velocidade como valor em si, o acúmulo de manuais, e seu individualismo. Não são mera consequência da leitura dinâmica, mas foi um mundo com esses valores a priori que possibilitou o desejo e a popularização desses métodos.
Referências
Calvino, I. (1988/1994). Seis Propostas pra o Milênio.
Eco, U. (1994). Seis Passeios Pelo Bosque da Ficção.
Han, B. C. (2018). Psicopolítica.
Manguel, A. (2007). A Cidade das Palavras.
Rancière, J. (1995). As Metamorfoses de uma Fábula. In: Políticas da Escrita
Rayner, K. et all (2016). So Much to Read, So Little Time: How Do We Read, and Can Speed Reading Help?.