Hong Sang-Soo e o Espaço
Em 2018, Hong Sang-Soo realizou dois longas: Silvestre e Hotel às Margens do Rio. Quase dois opostos. Enquanto o primeiro acontece ao máximo do modelo do diretor, em que relata algumas histórias, arbitrariamente conectadas, em uma única locação. Já o segundo parece ir para um caminho diferente. Não há um jogo aqui, há um estranho elusivo, quase onírico, uma tristeza profunda.
Essa estranha sensação sempre escapou por alguns filmes do diretor. Em Montanha da Liberdade (2014), em que o protagonista sonha com um rio que assume toda as suas angústias é um bom exemplo de teor atmosférico.
Em Hotel às Margens do Rio (2018), existe uma melancolia absurda, pois a morte parece estar no horizonte, os personagens dormem em diversos momentos, como se nos convidassem a imergir num estado de embriaguez, mesmo que pouco bebessem nesse filme; algo incomum para o diretor.
Não é que não há bebidas, as grandes discussões e revelações se dão nestes momentos, como sempre. Mas existe um passar do tempo, um vazio cotidiano mais severo, mais arrastado — digo isso no bom sentido.
Em Silvestre (2018), temos uma jovem — interpretada por Kim Min-Hee — que parece acompanhar as pequenas narrativas dentro de um café, parece até mesmo que ela as escreve.
Distante, observa uma a uma. É como se o espaço do café fosse o mundo inteiro dos filmes do diretor, tudo que existe está aí. Como de praxe, o café parece completamente vazio, existe uma aura ficcional em seus espaços, uma aura que contamina até mesmo os ambientes externos.
Já em Hotel às Margens do Rio (2018), o espaço é outro. Esse gélido Hotel em que o velho poeta convida os filhos para uma conversa, pois acha que vai morrer; enquanto uma jovem convida sua amiga após terminar o relacionamento com um homem casado.
Hong só conecta esses personagens em breves momentos, sempre a partir do encantamento do poeta pelas mulheres. Há uma cena em que ele conta o porquê escolheu o nome de um dos seus filhos e fala sobre seus significados. Um destes significados é “duas mentes”, que ele explica como “uma mente no paraíso” e “uma mente nas ruas”.
Essa pequena descrição parece se ater ao próprio método do diretor. Seus espaços — como esse hotel — parecem afastados do mundo real, ao passo que são tão cotidianos, em sua insignificância, que nos impõe uma realidade . São como espaços que a ficção e a realidade não diferem, na verdade, parecem se sobrepor. Não é à toa que em Silvestre (2018), a possível autora senta na mesa com seus personagens, bebe com eles, estaria ela no paraíso ou nas ruas?
Se atendo um pouco mais à Hotel às Margens do Rio (2018). Não há reconciliação possível entre esses personagens, não só entre o pai e seus filhos, mas existe uma disparidade entre os universos dos “homens” e das “mulheres”. Por vezes parece que as duas linhas narrativas são uma só, mas que de alguma maneira foram desentrelaçadas.
Do lado dos filhos, a linha narrativa é a de um pai que os abandonou para ficar com a amante; do lado das mulheres, a linha narrativa é a de um homem que decidiu ficar com sua família. É como se um encontro dos retalhos possíveis, um encontro entre mundos diferentes tivesse acontecido nesse Paraíso Mundano.
É como se Hong Sang-Soo juntasse esses fios perdidos num mundo lírico das luzes embranquecidas, da alva neve que compõe as figuras de preto como uma pintura impressionista. Construindo um pequeno conto sobre a frontalidade da finitude e o eterno em nossas ações. Só nestes espaços visualmente reais e fictícios que existe a possibilidade desses encontros e desencontros do possível e do impossível.
강변호텔 (Hotel By the River, 2018) — Hong Sang-Soo
풀잎들 (Grass, 2018) Hong Sang-Soo