A brutalidade do caos
A estética dos Irmãos Safdie está bem estabelecida. O mais novo longa deles, Joias Brutas (2019), parece representar uma elevação ao nível cosmológico do frenesi e do absurdo.
Não vale muito a pena abrir aqui os olhos para as temáticas recorrentes e pelas escolhas mais formais deles, são facilmente reconhecíveis e articuladas, desde os personagens à margem quanto à trilha sonora com seus sintetizadores. Todavia, o que impressiona é como todo esse conjunto formal apreende um caos eterno e atual.
É nesse paradoxo — entre o eterno e o atual — que acompanhamos a história de Howard, interpretado por Adam Sandler, que contém um sentimento retratado milhares de vezes, desde as tragédias gregas aos clássicos do cinema: a ganância.
É certo que o prazer aqui é o puro vício de apostar e por isso mesmo estar imerso dentro do campo da incerteza. Nesse campo do virtual em que se pode ser tudo e nada ao mesmo tempo.
O caos que podemos chamar de atual é o que se refere às consequências próprias do capitalismo (de um capitalismo contemporâneo globalizado e especulativo).
De certo, pela ordem do que se sucede na narrativa, vamos do caos da Etiópia, onde trabalhadores se matam com grandes empresas chinesas em suas costas, até a joalheria, em Nova York, do protagonista do filme. Seguimos o caminho de uma pedra, uma joia bruta, uma opala negra que conecta de um a outro.
O que é expresso nessa sequência é a conexão de um mundo globalizado e a diferença que existe desta pedra em cada local, o quanto ela carrega e vale.
Para Howard a pedra vale uma possibilidade de apostar, de estar vivo no campo do incerto; neste mesmo local, para Kevin Garnett, jogador de basquete, a pedra é como um amuleto da sorte, uma joia mística; já na Etiópia, para aqueles trabalhadores, pode ser tanto nada quanto um objeto de salvação de sua condição opressiva.
Mas o vício é o que podemos chamar de caos eterno e mais cosmológico, é o caos dramático. É o fim trágico destinado e estranhamente surpreendente.
O vício de Howard o conecta com o espaço do enquadramento; se os espaços estão sempre a se movimentar como num fluxo intenso é porque o vício é o que sustenta todo movimento visual.
É de uma aposta à outra que consegue fazer correr esse objeto invisível que é o valor, em nenhum momento ele demonstra apreço por algo que supostamente tem valor em si, o que move tudo é a metafísica deste valor fantasmático da aposta.
Assim, adentramos na ferida, na pedra preciosa e percebemos uma combinação, um encadeamento de acontecimentos que tem uma longa história na humanidade, mas uma expressão sempre distinta.
Seus personagens dramatizam e produzem uma gestualidade frenética nessa cosmologia e nos colocam na brutalidade do real, não há como escapar do labirinto das ações dos personagens, atos eternos e atuais.